Tínhamos ido ao cinema, deviam ser umas 20 horas quando deixamos o autocarro na avenida e nos dispusemos a subir os trezentos metros da rua até a tua casa. Era uma rua estreita com casas antigas alinhadas de ambos os lados. Em algumas das casas havia um pequeno jardim entre o passeio e a porta de entrada, como tantas vezes, paramos em frente da casa da roseira.
O meu instinto apurado fez-me reparar nos dois homens que se dispunham a subir a rua pelo mesmo passeio donde estávamos, estavam longe, quase na avenida de donde vínhamos. Era a ultima vez que estávamos juntos, rapidamente me centrei naquela flor, uma rosa perfeita e com um aroma tão intenso que o podíamos sentir desde o passeio, subi ao muro e dispus-me a cortar a flor. Como de todas as outras vezes disseste que eu estava louco e quiseste deter-me, mas desta vez não te dei ouvidos, era a ultima vez que estávamos juntos e eu queria roubar aquela flor para ti.
Desci do muro, tentavas parecer chateada, ....... o brilho dos teus olhos ao receber a flor denunciou-te......de repente lembrei-me, os dois homens, quando me voltei para ver donde estavam, correram.....e ouvimos aquele grito:
-Não se mexam!
Pela minha mente passaram muitas coisas, correr, gritar, de certeza que os vigiliantes do predio donde vivias nos ouviam se gritássemos, mas aquela arma apontada para nós foi muito mais forte que tudo isso.
-Não se mexam!....e dêem-nos tudo o que tenham!
Entreguei o meu relógio - Não tenho mais nada!
- A carteira, dá-me a carteira!, -gritou o outro homem.
Entreguei a minha carteira e quando ia dizer - Deixem-me os documentos Já eles tinha arrancado a correr em direcção ao bairro.
Era o último dia que estávamos juntos e ali estávamos os dois a olhar para o sítio por donde eles tinham desaparecido, eu com ar de embasbacado e tu com um ar muito assustado e rosa esquecida na mão.
Quando finalmente te passou a impressão, desataste a falar, ....que a culpa era daquela rosa, que não devíamos ter parado para roubar a flor, que éramos um par de tontos e por isso aquilo tinha acontecido.........
A verdade é que dei por bem empregue o susto e o pouco que eles tinham levado, o brilho dos teus olhos ao receberes aquela flor valeu por tudo isso e muito mais.
No Sábado seguinte apanhei aquele avião e não nos voltamos a ver, 20 anos depois não me consigo lembrar de absolutamente nada dos assaltantes, mas consigo ver perfeitamente aquela flor, consigo recordar o seu aroma intenso, e nunca esquecerei o brilho dos teus olhos naquele momento.
Jorge
PS:texto publicado inicailmente no blog O que é o jantar
PS2:Imagem retirada da internet
Eu gosto do Algarve fora de época e fora da confusão, naquele ano fomos acampar no mês de Abril para o parque de campismo da Praia da Luz, já lá vão uns dez anos, já não me lembro de muitos detalhes, sei que duas ou três noites terminei a dormir no chão, tínhamos um colchão de ar que teimava em esvaziar-se e foi uma complicação para o reparar... que nos bares da praia da luz não éramos lá muito bem vindos, falávamos português e os empregados olhavam de lado, um dia entramos num bar em Lagos e a empregada não falava português, só inglês! Fomos ao cinema... mas não me lembro do filme.
O parque de campismo era só para nós, que me lembre na maior parte dos dias éramos nós e algum casal de holandeses. Foi uma semana muito calma e relaxante.
Na semana seguinte voltei ao trabalho, na Quarta-feira a minha mãe ligou-me para o escritório, já era estranho ela estar-me a ligar para lá, mas pelo tom de voz, imaginei que algo estranho se estava a passar, a conversa foi mais ou menos assim:
-Jorge, tu conheces alguém no Algarve?
-Que eu saiba não, mas estive lá a semana passada.
-Estiveste donde?
-Estive na zona de Lagos.
-.....
-Então, o que é que se passa?
-Há... é que chegou uma carta para ti...e o código postal é de Lagos!
-Uma carta para mim?... humm , se calhar deixei lá alguma coisa...
Comecei a achar a historia absurda, mesmo que tivesse deixado lá alguma coisa, como é que eles iriam enviar uma carta para uma aldeia de Oliveira de Azeméis se eu moro em Setúbal?
-Sabes, é uma carta de uma mulher.... -diz a minha mãe.
-De uma mulher?, mas eu não dei a morada de aí a ninguém!
Aqui começou a fazer-se luz sobre o motivo da minha mãe me ligar para o emprego e não para casa...
Naquela altura no lugar donde moram os meus pais, as ruas não tinha nomes, e os carteiros entregavam as cartas pelos nomes das pessoas, e acreditem ou não, há mais dois Jorge Soares.......
-Isso de certeza que não é para mim, já perguntou se não é para nenhum dos outros fulanos que tem o meu nome?
-Já perguntei... e eles dizem que não conhecem ninguém no Algarve... e como tu lá estiveste... que é que eu faço?
-Bom, se não é para eles..... abra!
Ela abriu, e aqui a coisa piorou, era um postal daqueles mais que sugerentes e com palavras ainda piores, lá me explicou o que dizia.... fiquei sem palavras..... imaginei que alguém me estaria a fazer uma brincadeira ...a minha mãe não achou piada nenhuma e nem quero imaginar o que ficou a pensar. Passei o resto do dia a matutar quem sabia que eu tinha estado no Algarve e sabia a morada dos meus pais..e a verdade é que não consegui lembrar-me de ninguém.
Cheguei a casa e contei à P. que levou aquilo na brincadeira, a esta altura eu já não estava a achar piada, depois de muita conversa com a minha mãe, a carta foi para a lareira, a P. diz que não me volta a deixar ir à casa de banho do campismo...era os únicos momentos em que não estávamos juntos.
Passados uns 15 dias, um dos meus xarás apareceu de mansinho a perguntar pela carta. Cada vez que nos lembramos disto, a P.goza comigo e diz que quando vamos acampar, eu não posso ir sozinho lado nenhum... para depois não chegarem cartas.
Jorge
PS:Imagem retirada da internet..Talvez a vida seja só uma ilusão...
e as estrelas não sejam mais que pontos brilhantes
num manto pintado de negro, ....
e as palavras não sejam mais que sussurros
do vento que passa triste,.....
e os sonhos sejam só historias que passam por nós
e não deixam mais que um aroma fresco a vida, ......
e talvez o amor não seja mais que uma flor
que nasceu um dia e nunca se apagará no meu coração.
15-02-1990
Jorge
PS:Imagem retirada da internet