Terça-feira, 3 de Junho de 2008
Escolher entre quem é capaz de matar e quem é capaz de morrer por amor
Aquele menino nasceu num dia de sol e calmaria, era o menino mais bonito que alguma vez tinha nascido, mais bonito que as flores que nasciam na Savana depois das primeiras chuvas, mais bonito que qualquer por do sol, mais bonito que uma noite estrelada. Era tal a sua beleza que todos os chefes de todas as aldeias à volta o vieram conhecer.
O menino foi crescendo e com ele a sua educação e a sua valentia, além do mais belo de todos os meninos, era o mais inteligente, o mais valente e o mais atrevido. E o povo da sua aldeia estava contente porque entre eles vivia a mais incrível das perfeições.
Perto da casa do menino nasceram um dia duas meninas, e se a beleza dele era muita, a delas era ofuscante, se uma era a beleza do nascer do sol, a outra era a beleza do pôr do sol, se uma era linda e cristalina como a agua de um riacho, a outra era a beleza suave das aguas calmas de um lago, não havia uma mais bonita que a outra, porque ambas tinham a beleza de cada flor, a perfeição do canto de cada pássaro e o brilho da luz de cada estrela.
E as meninas cresceram, cada uma na sua beleza, e à medida que iam crescendo iam adquirindo qualidades que faziam delas mulheres perfeitas e desejadas por todos.
Como em tudo na vida, a beleza atrai beleza e um dia as duas meninas já mulheres, conheceram o menino já homem, e ficaram ambas terrivelmente apaixonadas por ele. Se uma o amava muito a outra amava-o mais, se uma sonhava com ele de noite, a outra sonhava com ele de dia, se uma o desejava, a outra desejava a sua presença.
E ele?, ele estava num terrível dilema, tinha que escolher uma das duas, e tinha que decidir entre uma beleza tão grande como a beleza do nascer do sol e outra tão grande como a beleza do pôr do sol, entre a pureza cristalina da agua que corre no regato e a calma serena da superfície de um lago, entre a beleza de todas as flores e a perfeição do canto de todas as aves. E ele não se conseguia decidir, tinha que escolher uma das duas, mas não era capaz, como escolher entre a perfeição e a perfeição?.. não conseguia, mas tinha que escolher, porque elas estavam à espera.
O tempo passava e ele não se conseguia decidir, e elas sonhavam e suspiravam, e imploravam.. mas ele não conseguia decidir. Até que um dia, estava sentado a pensar no seu dilema, quando de repente apareceu uma cobra e mordeu-o. Ao ouvir o seu grito de dor, toda a aldeia correu, e entre eles as duas meninas. Quando chegaram ele estava agonizante, e se uma se agarrou a ele a gritar e a dizer que ia morrer com ele, que estava disposta a morrer por amor, se ele morresse ela morria também. A outra decidiu ir atrás da cobra e vingar a sua dor, ela ia matar por amor.
Saiu da aldeia e embrenhou-se na savana, e durante dias seguiu o rasto, até que encontrou a cobra, e quando já lhe ia cortar a cabeça, esta disse:
-Não me mates.
-Mato, tu mataste o homem que eu amava, agora vais morrer
-Não, não me mates, se não me matares, eu prometo que faço com que tudo volte para trás e o teu amor não morre
E ambas voltaram à aldeia. Quando chegaram efectivamente o menino estava bem, estava sentado ao lado da outra mulher. E ambas perguntaram:
-Então, qual das duas escolhes?
-Não sei, como é que se pode escolher entre quem é capaz de morrer e quem é capaz de matar por amor?
Conto da tradição oral africana que ouvi contar de uma forma magistral...e decidi partilhar
Publicado inicialmente no blog: O que é o jantar
Jorge
PS:Imagem retirada da internet.
Sábado, 24 de Maio de 2008
Tínhamos ido ao cinema, deviam ser umas 20 horas quando deixamos o autocarro na avenida e nos dispusemos a subir os trezentos metros da rua até a tua casa. Era uma rua estreita com casas antigas alinhadas de ambos os lados. Em algumas das casas havia um pequeno jardim entre o passeio e a porta de entrada, como tantas vezes, paramos em frente da casa da roseira.
O meu instinto apurado fez-me reparar nos dois homens que se dispunham a subir a rua pelo mesmo passeio donde estávamos, estavam longe, quase na avenida de donde vínhamos. Era a ultima vez que estávamos juntos, rapidamente me centrei naquela flor, uma rosa perfeita e com um aroma tão intenso que o podíamos sentir desde o passeio, subi ao muro e dispus-me a cortar a flor. Como de todas as outras vezes disseste que eu estava louco e quiseste deter-me, mas desta vez não te dei ouvidos, era a ultima vez que estávamos juntos e eu queria roubar aquela flor para ti.
Desci do muro, tentavas parecer chateada, ....... o brilho dos teus olhos ao receber a flor denunciou-te......de repente lembrei-me, os dois homens, quando me voltei para ver donde estavam, correram.....e ouvimos aquele grito:
-Não se mexam!
Pela minha mente passaram muitas coisas, correr, gritar, de certeza que os vigiliantes do predio donde vivias nos ouviam se gritássemos, mas aquela arma apontada para nós foi muito mais forte que tudo isso.
-Não se mexam!....e dêem-nos tudo o que tenham!
Entreguei o meu relógio - Não tenho mais nada!
- A carteira, dá-me a carteira!, -gritou o outro homem.
Entreguei a minha carteira e quando ia dizer - Deixem-me os documentos Já eles tinha arrancado a correr em direcção ao bairro.
Era o último dia que estávamos juntos e ali estávamos os dois a olhar para o sítio por donde eles tinham desaparecido, eu com ar de embasbacado e tu com um ar muito assustado e rosa esquecida na mão.
Quando finalmente te passou a impressão, desataste a falar, ....que a culpa era daquela rosa, que não devíamos ter parado para roubar a flor, que éramos um par de tontos e por isso aquilo tinha acontecido.........
A verdade é que dei por bem empregue o susto e o pouco que eles tinham levado, o brilho dos teus olhos ao receberes aquela flor valeu por tudo isso e muito mais.
No Sábado seguinte apanhei aquele avião e não nos voltamos a ver, 20 anos depois não me consigo lembrar de absolutamente nada dos assaltantes, mas consigo ver perfeitamente aquela flor, consigo recordar o seu aroma intenso, e nunca esquecerei o brilho dos teus olhos naquele momento.
Jorge
PS:texto publicado inicailmente no blog O que é o jantar
PS2:Imagem retirada da internet
Sexta-feira, 16 de Maio de 2008
Incerteza
Tanta coisa para dizer, tão pouco tempo para o fazer. Hoje tenho sono.... e só tu sabes porquê.... Não estou mais feliz hoje, que ontem, até pelo contrário, afinal, tudo acontece e nada também. A incerteza, de todas as coisas certas, deixa-me a cabeça á roda, sem saber que direcção tomar... Vou deixar-me levar com o vento, se o houver. Em caso de não haver, tudo vai parar, e eu irei esperar, que o vento venha para me guiar....
música: Alone - Hart
sinto-me: como se fosse hoje.
Quinta-feira, 8 de Maio de 2008
Imagem retirada da internet
Acordei, lá fora a chuva de verão cai com força, sinto o cheiro da terra molhada, aquele cheiro inconfundível que tem o condão de me transportar. Sem querer estou a voar até outros sítios, deixo-me ir. As minhas recordações terminam sempre por me levar até ti, o cheiro a terra molhada transporta-me até aquele outro dia de verão em que chovia e nos conhecemos.
Chovia, muito, as ruas tinham-se convertido em rios intransponíveis , fiquei parado ao fundo das arcadas daquela praça, indeciso entre chegar atrasado ou chegar encharcado, fui ficando, as pessoas passavam apressadas tentando em vão fugir da chuva, de repente dei por uma figura ao meu lado, olhei, por detrás de um sorriso estavam uns enormes olhos de um negro intenso. Retribui o sorriso e fiquei pasmado a olhar.
-Está a chover - disseste.
-Sim, parece que sim - disse, enquanto continuava a olhar para a profundidade dos teus olhos negros.
-Parece que estamos condenados a ficar aqui
-... -Eu continuava vidrado nos teus olhos, não conseguia pensar.. e muito menos dizer qualquer coisa com sentido.
- E se fossemos tomar um café?, há ali um café do outro lado das arcadas, não precisamos de nos molhar.
-Claro, vamos - disse.
Fomos, por horas esqueci o meu mundo à medida que ia entrando no teu, falaste de ti, das tuas coisas, dos teus amigos, de tudo um pouco. Quando dei por mim, tinha passado a tarde, algures no meio daquela cidade havia pessoas a perguntar por mim, assuntos por tratar, negócios por arrumar, esqueci tudo, o brilho dos teus olhos negros apagou por completo o resto do meu mundo, naquele dia, e por muitos mais.
Quando finalmente nos despedimos, há muito que a chuva tinha parado, e eu tinha caído irremediavelmente na teia tecida pelo brilho dos teus olhos e o calor do teu sorriso. Trocamos contactos e ficámos de nos voltar a ver, em breve disseste, sim, muito em breve.
Nessa noite demorei muito tempo a adormecer, os teus olhos invadiam o meu espaço, os meus sonhos, as minhas ilusões, o meu mundo. No dia a seguir a primeira coisa que fiz foi ligar-te, ficaste feliz. De novo chovia, combinámos encontrar-nos naquela mesma esquina, era para almoçar, mas no fundo, eu já sabia que o encontro não era contigo, o meu encontro era com os meus sonhos, era um encontro com a vida.
Hoje como naquele dia Chove.. e não preciso de voar, sinto o teu calor ao meu lado, dormes serenamente,.. eu sorrio, adoro chuva!
Texto publicado no blog O que é o jantar